terça-feira, 13 de setembro de 2016

DONALD TRUMP e o efeito "mauzinho" de ser. Donald Duck Hells

Donald Duck Hells
Donald Trump e o efeito “mauzinho” de ser
Por Cláudia Aguiar Britto[1]


Por que Donald Trump e sua indefectível característica preconceituosa, racista,  xenófoba e manifestamente desmedida consegue influenciar parte da população que integra a maior potência econômica do planeta?  Está aí um enigma difícil de ser decifrado.
Há algum tempo, os “Michaels” têm se destacado. Desde Michael Jackson, passando por Michael Jordam, Michael Jonhson e Michael Phelps, os astros norte-americanos têm projetado suas marcas pelo mundo; seja pelo esforço e dedicação nas atividades que desempenham, seja pelas mensagens transferidas por meio de letras e melodias, por atitudes ou discursos. Entretanto, por outra vertente, o efeito “mauzinho”  de ser de Donald Trump tem prevalecido na América.
Nos palanques políticos e nas esferas midiáticas, Trump já foi capaz de dizer que os mexicanos “trazem as drogas, trazem o crime e os estupradores”... E que pretende construir um muro separando os países. O candidato chegou a questionar a saúde mental do atual Presidente por ter permitido a entrada de pessoas com ebola nos EUA; indignou-se com a possibilidade de homens negros contarem a sua fortuna,  vociferando que: “homens negros contando o meu dinheiro?!” “Eu odeio isso !”  E ainda  reacendeu o confronto ao afirmar que bombardearia todo o petróleo do Estado islâmico no Iraque e mandaria grandes corporações construírem por lá... E por aí vai... A metralhadora giratória de Donald não para. 
Ainda que toda essa carga ideológica implantada na fala do candidato  esteja centrada nos Estados Unidos,  é preciso compreender que em um  mundo globalizado os sintomas e as consequências desse tipo de discurso  são sentidos de imediato em todos os cantos. A ideologia discriminatória consegue realmente ultrapassar os limites da sua atuação para alcançar outras nações e seus sistemas jurídicos internos, cujos interesses são significativamente diversos.
Como se sabe, os discursos servem para transformar, sair do “ponto zero”, progredir, mas também existem e persistem aqueles que são utilizados para destruir.
Nunca é demais relembrar o fato de que o totalitarismo nazifascista e o holocausto concebiam um modelo de sociedade estruturado na razão. Os discursos empregados por seus mentores serviram para arregimentar um exército de vítimas da razão instrumental, conforme explicou Horkheimer. E os grupos vulneráveis, os camponeses, artesãos, comerciantes, pequenos empresários, as donas de casa e toda massa de gente que constituía a classe média alemã, paradoxalmente, formariam o apoio ativo que levou os nazistas a tomarem o poder.[i] Um texto do filósofo Heidegger publicado no jornal de estudantes de Freiburg em 1933 reforçaria assim a tese de  que ele servira de estímulo ao povo para encontrar a “grandeza e verdade” de sua determinação. E esse “encontro” com a grandeza e a verdade pelo povo alemão desaguaria numa decisão suprema de sua própria liberdade. Ou seja: a vontade coletiva fora subsumida à vontade de seu Führer. [ii] A “verdade” da determinação do povo era nada mais do que a verdade de Hitler. A “decisão suprema de sua liberdade” significava, ao fim e ao cabo, o amalgamento, a pasteurização dos ideais hitlerianos.
Nas digressões de Perelman, quando usamos a argumentação, isto implica que renunciamos ao recurso único da força, dando apreço à adesão do interlocutor, impedindo que as pessoas sejam tratadas como objeto.   A comunicação tem realmente esse poder. Ela não é uma transferência unilateral de informação. Entretanto, parece ser evidente também, que a prática discursiva não tem como garantir sempre a integridade, a infalibilidade, a clareza, a segurança, o respeito ou a estabilidade de resultados e propostas.
Mais recentemente, Habermas conta que após o “11 de Setembro” passou a ser frequentemente indagado se, em razão desses fenômenos da violência, a concepção do agir orientado para o entendimento, tal qual ele desenvolvera na teoria do agir comunicativo, não teria ficado completamente desacreditada. Ele respondeu que, justamente porque as relações sociais de violência, agir estratégico e manipulação são realizados, não é possível ignorar dois outros fatores: primeiro, que a prática da convivência diária residiria numa base sólida e convicções comuns, evidências culturais, expectativas recíprocas; e, segundo, que os conflitos ocorreriam em razão dos distúrbios de comunicação.[iii]
            Como destaca o filósofo alemão, a espiral da violência começa com uma espiral de comunicação prejudicada através da espiral de uma desconfiança recíproca descontrolada, que leva à interrupção da comunicação. A destruição e a corrupção da linguagem especialmente sentidas nos países em desenvolvimento e os menos favorecidos trazem graves consequências, produzem drásticas reações, fazem operar uma espécie de “vingança dos oprimidos”, aventada por Habermas, para compensar o silêncio irrompido, sepulcral e autoritário que permeou e permeia os sistemas até hoje.
  Em razão das inúmeras declarações públicas discriminatórias, Donald tem sido alvo de severas criticas. Entretanto, parece não se importar com elas. 
             Na contramão do modelo de corresponsabilidade solidária, a qual se emprega o conceito  moderno de humanismo, e que se almeja para a sociedade do século XXI, Trump serve-se do efeito “mal-humorado - mauzinho - nefasto”  de Donald  Duck Hells. Uma espécie de Pato Donald dos infernos, cunhamos.  Em 1942, o famoso Pato Donald de Walt Disney foi forçosamente integrado à propaganda nazista. As histórias traçadas à época, inspiradas na “face do Führer”, mostravam Donald Duck à frente da produção de armamento bélico, bem como instado a contribuir com impostos destinados a patrocinar a guerra.      
Donald adota o modelo Duck. Não sabe nadar, não mergulha fundo, e, de vez em quando, se afoga nos seus próprios impropérios. E o que faz Donald Trump se tornar um ícone, se notabilizar e alçar uma visibilidade incomum?  O que faz Donald encontrar tantos adeptos dispostos a comprar o seu pacote recheado de ódio, discriminação e seletivização? Um pacote embrulhado com o papel nefasto da desunião? Vivemos realmente tempos sombrios ou tudo isso faz parte desse processo de depuração e expurgo? Da destruição do que estava encoberto?
Para toda evidência há outros tipos de exteriorização para as quais pode não haver boas razões. Muitas experiências podem estar ancoradas em fundamentos e argumentos, porém envoltas por suscetibilidades e desejos internos que não implicam necessariamente em bons propósitos.
A necessidade de se buscar e alcançar atitudes de responsabilidade social, solidária, cooperativa, “universalizada”; um modelo que atenda o outro na sua alteridade é premente.  Há de se ‘manter vivo o sentimento de humanidade’, como já destacou Habermas, aquele  respeito por todos e na responsabilização solidária geral de cada um pelo outro. O respeito não abarca apenas aqueles que são iguais, congêneres[iv], mas, sobretudo, aquele “outro” em sua alteridade, em suas diferenças e em suas idiossincrasias.
Queiram os deuses que o efeito “mauzinho” de Donald Duck Hells seja arrefecido, transformado e revigorado em ações positivas. O planeta Terra merece e agradece. As gerações futuras também.  A assimilação de uma “responsabilização solidária” pelo outro ‘como um dos nossos’, tendo como premissa a abolição de todas as formas de exclusão, integrando e incluindo os outsiders, parece ser uma das trilhas desse emaranhado processo construtivo de comunicação.
'Pato Donald dos infernos', mal humorado, rabugento ou ainda na versão “mauzinho”, só mesmo nos divertidos gibis.



[1] Cláudia Aguiar Britto. Pós doutora em Direitos Humanos e democracia. Doutora e Mestre em Direito. Professora Universitária. Advogada




[i] Habermas, J.  Agir comunicativo. v. I e II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012, v.1, p. 635.
[ii] Cf. Habermas (2010, p. 161): “[...] o povo alemão é chamado à votação pelo Führer. Porém, o Führer nada pede ao povo, antes lhe dá a possibilidade mais direta de uma decisão suprema na sua liberdade” [...]. Em outra passagem, Heidegger assim escreve: “A nossa vontade de auto responsabilidade nacionalista quer que cada povo encontre a grandeza e a verdade da sua determinação [...]. Há apenas uma única vontade para a existência plena do Estado. O Führer fez despertar essa vontade em todo o povo e moldou-a numa única decisão”. Direito e democracia entre facticidade e validade. v. I. 2. ed. Tradução de Flávio Siebeneicher. Rio de Janeiro: BTU, 2010.
[iii] Aguiar Britto. Processo Penal Comunicativo. Comunicação processual à luz da filosofia de Jürgen Habermas. Curitiba: Juruá. 2014.
[iv] HABERMAS, A inclusão do outro: estudo de Teoria Política. Tradução de Sperber G; Soethe, P. A.; Mota, M. C; 3. ed. São Paulo: Loyola, 2007 a. 201 pp. 7,8